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Reavendo tributos recolhidos indevidamente
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o Brasil está entre os 30 países que mais cobram impostos da sua população, mas ainda assim tem o menor índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes). Isso significa que o país é o que menos transforma tributos em benefícios.
Cientes dessa lamentável realidade, combativos advogados tributaristas vêm travando intensas batalhas jurídicas, buscando a defesa dos direitos dos contribuintes e o equilíbrio da balança fiscal tão pendente à Receita Federal do Brasil – RFB.
Relevante exemplo de sucesso na defesa dos contribuintes é a recente vitória na “tese do século” transitada em julgado em 17 de setembro de 2021, com o acórdão dos Embargos de Declaração no RE 574.706, que excluiu o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) (tema 69 de Repercussão Geral).
Contudo, apesar do fim da discussão da “tese do século”, muitos contribuintes que possuem créditos tributários decorrentes do tema enfrentam dificuldades para usufruir plenamente desse direito, especialmente quando buscam compensá-los com débitos previdenciários, situação denominada “compensação cruzada”.
A compensação é benéfica para aqueles contribuintes que queiram utilizar seus créditos de outros tributos federais para pagar suas contribuições previdenciárias. Esta tem sido uma ótima opção às empresas que possuem maior gasto com a folha de pagamento, por exemplo, uma vez que evita desembolsos para essa operação, gerando assim um efeito caixa, especialmente em tempos em que se almeja a retomada econômica pós-crise sanitária.
Em maio de 2018, foi publicada a Lei 13.670/2018, com o objetivo de estabelecer uma regulação para a “compensação cruzada” de créditos e débitos, apenas àqueles apurados após a vigência do e-social, sistema que permite ao Fisco acompanhar os pagamentos do INSS em tempo real.
Nesse sentido, a Receita editou as Soluções de Consulta COSIT 336/2018 e 50/2021, nas quais sinaliza que apenas os créditos relativos a pagamentos efetuados após o e-Social é que poderiam ser utilizados para a compensação cruzada. Por esse raciocínio, as autoridades fiscais não aceitam a compensação cruzada de pagamentos anteriores ao e-Social – mesmo quando a resistência imposta pelo Fisco para a fruição dos créditos só tenha sido afastada após a implementação do e-Social, por decisão transitada em julgado, por exemplo.
Ao editar as referidas Soluções de Consulta, a Receita deixou de considerar que a limitação prevista no artigo 26-A não é destinada às ações judiciais, mas sim às hipóteses em que o contribuinte precisa corrigir uma declaração entregue antes do eSocial. A Receita está buscando, assim, “estender” a lei para impedir as compensações e dificultar a recuperação de valores recolhidos indevidamente.
Vale lembrar que a compensação consiste em efetiva modalidade de extinção do crédito tributário, de modo que a correta interpretação da norma que rege a “compensação cruzada” deve ser feita em consonância com os parâmetros delineados pelos artigos 170 e 170-A do CTN. Através desses dispositivos normativos se extrai a conclusão de que os créditos “nascem” para os contribuintes quando se tornam líquidos e certos, inclusive a partir do trânsito em julgado da decisão que os reconhece.
Neste momento, em que é necessário que o Estado caminhe lado a lado com os contribuintes, insistir neste caminho se revela um lamentável equívoco. Eis que a inconstitucionalidade da vedação à compensação se manifesta pela inobservância dos Princípios da Legalidade e da Isonomia, ao violar disposições constitucionais e o tratamento equânime entre contribuintes que apuram créditos tributários federais e buscam usufruí-los livremente através do reconhecido instituto da compensação cruzada.
Assim, na incessante busca por um Brasil mais justo e igualitário, ações como esta visam impulsionar o setor produtivo, gerar empregos, renda e promover o fomento da economia. É crucial que o contribuinte brasileiro tenha o direito de reaver e compensar, sem restrições, os tributos cobrados e recolhidos indevidamente. Não há mais tempo para se dar um passo à frente e dois para trás.
*Marcelo C. Censoni Filho, sócio do Censoni Advogados e CEO do Censoni Tecnologia Fiscal